sexta-feira, 21 de dezembro de 2007

Passepartout

Entre o limite da “Arte Prática” e da Transgressão

Miria Lima e Pedro de Paula


Hoje à noite coloquei, mais uma vez, minhas mãos contra a matéria – o muro.


Realizei outra “ofensiva selvagem”... Como norma, operava o labor plástico grafitado.

O vazado, a sutura e o corte da pele, revelam a ação contra a “ordem estabelecida”. Descobri que o contato com a superfície mural é limite e que o desejo de liberdade gera o ato de descolar o que ela reproduz, sem interferência. Percebi que a cidade é um sampler de grafites articulados em um mesmo som. Lembrei que o muro pode também desmoronar, ao mesmo tempo que é suscetível de receber modificações infinitas, fazendo emergir dali suas próprias expressões. Tento compreender suas imagens grafitadas...

Willyams Martins

_ Os cartazes colados nos muros onde antes só havia tinta spray são bem claros: “Williams Martins, Ladrão de Grafitti: o artista plástico Williams Martins, em um ato de extremo egoísmo para com a população, arranca das ruas trabalhos de arte feitos pelos outros, privatiza a obra e assina embaixo”. Completam a mensagem um cifrão ($) em letras garrafais, o link para se interar com a questão - www.artistapratico.blogspot.com - e um aviso para o artista: “se não tem talento, não f... com quem tem!”.

_ A causa de tanta polêmica foi “Peles Grafitadas”, trabalho do artista plástico Williams Martins desenvolvido durante o mestrado em Artes Visuais na Escolas de Belas Artes da Ufba. Ganhador do prêmio Braskem Cultura e Arte 2006 e do Salão de Arte em Juazeiro, “Peles Grafitadas” aconteceu em Juazeiro, Valença, Alagoinhas e Salvador, com fragmentos de grafites de cada uma das cidades. A obra de Williams despertou a ira de alguns grafiteiros baianos e provocou discussões sobre direitos autorais, utilização dos espaços público e privado, arte de galeria versus arte de rua e até sobre o próprio caráter do movimento grafite, ou grafitti, como grafam seus integrantes.

_ O trabalho de Williams consiste em “deslocar vestígios, depoimentos, signos colocados no espaço público por anônimos e trazer para o outro contexto”, explica Roaleno Costa, orientador de Williams e diretor da Escola de Belas Artes da UFBA. O artista construiu o que chama de “Poética do Deslocamento”: seleciona uma imagem pelos muros da cidade e prega um tecido de nylon com resina de poliéster na parede onde a imagem se encontra. Depois de colocado e seco, retira essa imagem cuidadosamente com espátulas e martelos para que a pele da tinta seja retirada da parede junto com o tecido. Aí basta enquadrar e colocar dentro da galeria.

_ Apesar de “Peles Grafitadas” ter acontecido durante o ano de 2006, apenas em setembro de 2007 os protestos dos grafiteiros vieram à tona, principalmente através do blog “Artista Prático” - www.artistapratico.blogspot.com. Lá, além de ameaças pessoais e fotos de trabalhos “roubados” por Williams, encontram-se supostas correções ao conteúdo veiculado pela mídia sobre o assunto e reflexões dos blogueiros: “Ao arrancar a obra da parede, você esta matando a arte, pois que saibam os leigos: arte urbana vai além de uma mera pintura na parede, sua composição é conseguida através do local em que ela se encontra, interagindo com elementos urbanos. Mas parece que nem Roaleno Costa, nem Williams Martins tenham a mínima idéia disto”.

_ Nenhum dos grafiteiros entrevistados pela Lupa soube identificar o autor do blog, que, desde setembro de 2007 até o fechamento desta matéria, não é atualizado. Houve até quem dissesse que foi criado por artistas vinculados ao grupo de grafiteiros zeroseteumcrew, mas estes negaram a autoria quando procurados para falar sobre o caso. Outros grafiteiros chegaram a promover formas diferentes de protesto, como o da madrugada do dia 14 setembro, em que, com a ajuda de músicos e simpatizantes, se reuniram na Praça do Campo Grande para uma passeata.

“Cadê o respeito do artista pelo outro?”

_ José Nildo Silva Mendes, 28 anos, o Lee27, grafiteiro há mais de 14 anos, teve um braço de Exu arrancado de um trabalho seu. Ao se deparar com o fragmento de seu grafite no folder da exposição de “Peles Grafitadas”, sentiu-se desrespeitado. “Quando alguém se apropria de algo que não lhe pertence, isso é grave! Já pensou se todo grafiteiro se apropriasse de um trabalho de Bel Borba ou Tatau que tivesse na rua? Onde estaria o respeito do artista pelo outro artista?” Ele afirmou gastar, em média, 500 reais em cada painel, e nem sempre obtém retorno financeiro, já que muitas de suas obras estão expostas gratuitamente pelas ruas da cidade. “Tento sobreviver do grafite: viajar, participar de encontros, palestras, workshops, mas é difícil”, afirma Lee27.

_ Para Marcos Costa, defensor da profissionalização do grafite, grafiteiro e estudante do nono semestre da Faculdade de Belas Artes da UFBa, faltou embasamento teórico no trabalho de Williams, visto que os trabalhos não são anônimos e, de certa forma, é fácil identificar os autores dos grafites, que sempre assinam suas obras colocando e-mails e sites para contato pessoal. “Williams se antecipou e não deu os créditos dos autores das obras que transpôs para a galeria”, afirma.

_ Marcos acredita que a pesquisa de Williams teria sido bem sucedida se ele tivesse atentado mais a esses aspectos. Em relação à indignação dos grafiteiros, considera válida, porém condena o estardalhaço que não leva a lugar algum: “depois não chamaram (Williams) para apresentar uma proposta para o bem de todos, para uma discussão sobre direitos autorais”, argumenta. Marcos teve uma assinatura sua descolada e, ao invés de tentar resolver o assunto com protestos, foi conversar pessoalmente com Williams. Na sua opinião, o mais correto seria Willians ter entrado em contato com os autores das obras para dar créditos aos grafiteiros e ter realizado uma exposição de caráter coletivo.

Transgressão às avessas

_ Os prêmios ganhos por Williams (R$ 40.000 no Braskem Cultura e Arte e R$ 5.000 no Salão de Arte de Juazeiro, ambos em 2006) despertaram o ódio de alguns grafiteiros, que o viram alcançar a mídia e os salões de arte com fragmentos retirados de seus trabalhos. Enquanto muitos grafiteiros se dizem contra “o injusto sistema de Salões, que premia quem tem a maior quantidade de amigos poderosos” (retirado do blog “Artista Prático”), outros reconhecem originalidade em “Peles Grafitadas”. No entanto, todos os entrevistados concordaram que faltou para Williams a vivência do movimento grafite soteropolitano, o qual é formado por diversos grupos, a exemplo de zeroseteumcrew e Oklancrew. Estes “clãs” interagem numa ambiência urbana onde todos os grafiteiros se conhecem, compondo um universo artístico multifacetado, em que há espaço para concordâncias e divergências.

_ Por sua vez, Roaleno Costa defende seu orientado afirmando que apenas cinco dos fragmentos retirados das ruas que compõem “Peles Grafitadas” são pedaços de grafites. “O resto é parede suja, é pichação, são coisas que não são absolutamente autorais. E eu acho que esta é a melhor parte do trabalho dele, porque grafite acontece e fica mais bonito na rua do que colocado dentro da galeria. Mas não deixou de trazer essa discussão à tona, sobre espaço público e tudo mais”, diz o diretor.

_ Roaleno ressalta que o trabalho de Williams traz uma nova discussão para o movimento grafite de Salvador: “muito das discussões sobre a problemática do grafite e dos grafiteiros que vieram à tona a partir desse trabalho de Williams, já foram feitas no Brasil vinte anos atrás, em São Paulo. Então, o grafiteiro de Salvador está agora vivenciando uma situação que explodiu a partir do trabalho de Williams”, argumenta. Para ele, a novidade é que a transposição do grafite para a galeria reacende o espírito contraventor do grafite, porém ao inverso. “Como o grafite não está mais se sustentando nessa transgressão, porque já foi absorvido pelo sistema, na hora em que Williams faz o inverso, ele comete um ato transgressor às avessas. E esse ato transgressor incomodou muito aqueles que há algum tempo eram os transgressores (os grafiteiros) e que deveriam ter continuado sendo, mas fizeram concessões demais.” Ele ainda alerta que o grafite comportado, seja em parcerias com instituições públicas e privadas ou exposto em galerias, deve tomar cuidado para não perder as principais características do movimento.

_ Em seu site, www.martins.art.br, de onde foi retirado o texto que introduz essa reportagem, Willians disponibiliza vídeos do programa Soterópolis da TVE Bahia sobre a polêmica e registro das primeiras remoções das peles. Também publicou fotos do processo técnico de fabricação das telas, que vai desde o enquadramento da imagem desejada até a montagem da tela, além de disponibilizar a sua dissertação. O que se percebe é que “Peles Grafitadas” foge aos padrões de comportamentos acadêmicos, trata-se de algo transgressor – uma característica do grafite – não comportado, anti-conservador, que envolve riscos e questionamentos. Apesar de ter desagradado um movimento artístico de grande aceitação popular, como é o movimento grafite em Salvador, Williams recorreu a uma das características principais da obra de arte: causar polêmica e reflexão na sociedade.

terça-feira, 11 de dezembro de 2007

Passepartout

Uma conversa com Jorge Mello


Maria Clara Lima

_O diretor de cinema e fotografia, Jorge Mello, 55, trabalha com cinema há mais de 20 anos. Hoje, produz filmes e atua no “quase-pólo” [expressão de Mello] de cinema da Bahia. Mello é dono de equipamentos cinematográficos utilizados para a produção de filmes. De acordo com ele, material de primeira linha o qual aluga quando requisitado.

_Segundo conta, “eles são suficientes para montar até seis pólos de cinema”. No entanto, o material ficou, por muito tempo, guardado em um depósito. Chegaram a ser feitas algumas importantes produções com os equipamentos – inclusive estrangeiras –, mas a demora em se associar a uma espécie de pólo ou projeto quase lhe fez desistir.

_Foram mais de três anos de espera. Por que tanto tempo? Pelo custo. “Também não posso dar de graça”, diz. O material foi comprado em 2003 e 2004 e custou caro. O dinheiro para tal façanha, ele conseguiu juntar ao longo de sua vida. Mello inventou, por exemplo, o detector de metais formato raquete e ganhou uma cifra considerável com ele.

O quase-pólo

_O “quase-pólo” funciona no Forte do Barbalho, onde já estão, conforme conta, os equipamentos, o figurino, a cenografia e a Bahia Film Commission (BFC) – um programa do governo do estado de apoio às produções audiovisuais. O que falta? Patrocínio e investimento – principalmente o privado e de empresas locais. Só assim o pólo poderá realmente funcionar.

_ Segundo ele, o pólo é uma associação de todos que atuam no cinema. “É uma parceria com a BFC, Associação Baiana de Cinema e Vídeo (ABCV-BAHIA), cineastas, produtores, governo e outras classes que apóiam a iniciativa”. Cada parte é independente, diz. “Os equipamentos são meus, a cenografia é de outro, o figurino de outro”. O espaço, continua Mello, foi cedido pelo governo, mas as reformas necessárias ao Forte cabem aos que ali se alojam.

_ Apesar dos percalços, para ele, tudo indica que 2008 terá muitos filmes baianos. “A minha intenção é que a Bahia consiga fazer mais de 100 filmes por ano: quanto mais fizer, melhor”.



segunda-feira, 10 de dezembro de 2007

Circo Urbano

_David Belle, 34 anos, é um educador físico francês e criador do Le Parkour. Belle nasceu e cresceu no Sena Marítimo, na Normandia. Oriundo de uma fámilia simples do subúrbio, desde cedo treinou com o seu pai técnicas militares de deslocamento que o ajudaram a desenvolver uma forma peculiar de se exercitar e ajudar as outras pessoas. Saiba mais sobre o Le Parkour, em breve, na Lupa 04.

Veja o vídeo abaixo:




Site Oficial - Clique aqui

terça-feira, 4 de dezembro de 2007

Passepartout

“A retomada é um sinal de vitalidade, de vocação para a atividade”

Luiza Borges e Samuel Barros

Em entrevista à Lupa, Pola Ribeiro, cineasta e diretor do Instituto de Radiodifusão Educativa da Bahia (Irdeb), fala de um novo momento na produção cinematográfica baiana e da finalização do primeiro filme que roteirizou e dirigiu, Jardim das Folhas Sagradas. Ele acredita que a Bahia vive um momento promissor, mas pondera que são necessárias ações que dêem sustentação a esse desenvolvimento.



Tem-se falado muito em uma "retomada" do cinema baiano. Qual a sua opinião a respeito, levando-se em consideração quantidade e qualidade das produções baianas?


_A retomada é um sinal de vitalidade, de vocação para a atividade. Temos vocação e pessoas interessadas. Mas as estruturas ainda precisam se consolidar. O que nos cabe agora é desenvolver as políticas que garantam a continuidade e o crescimento da atividade. Uma das formas de viabilizar isso é intensificar a aproximação entre o cinema e a tevê.


Quais elementos podem ter favorecido esta "retomada"?


_Um dado foi a conquista do edital estadual de longas, capitaneada pela ABCV, que, apesar de uma certa descontinuidade, gerou três longas que ajudaram a motivar novas gerações a participar do processo de produção profissional do audiovisual. Por outro lado, não podemos esquecer de outros importantes fatos de nosso passado recente, como 3 Histórias da Bahia, a Braskem, que incluiu o cinema em seu edital de estimulo à arte e revelou novos realizadores, os festivais e outros eventos que consolidaram um público relativamente numeroso, como o Seminário Internacional de Cinema e Audiovisual, o curso de cinema da FTC, que nos possibilita há alguns anos uma formação específica. Tudo isso tem permitido uma visão mais autêntica e ao mesmo tempo crítica própria da nossa retomada. No plano do Ministério da Cultura, destaco a política de Gilberto Gil e Orlando Senna, que foi e é de inclusão desde o primeiro mandato em todos os aspectos de um projeto de cinema nacional. E a Bahia, por ter uma vocação, pôde ser contemplada.


Quais as principais dificuldades no processo de produção de "Jardim das Folhas Sagradas" em relação ao contexto baiano?

_Jardim das Folhas Sagradas foi produzido fora do nosso edital estadual. É um filme que participou e teve seu orçamento construído por concursos e leis que estavam sendo acionados pela primeira vez no estado. A Lei do Audiovisual, a Lei Rouanet utilizada para a produção de um longa e o própria FazCultura. E, além disso, o tamanho da produção, genuinamente baiana e talvez a de maior porte já realizada aqui, com cenários, estúdios, um set que às vezes reuniu 200 pessoas e fortes articulações com a sociedade, como uma reconstituição da caminhada da consciência negra, em julho de 2006, no Curuzu, com a participação de diversas correntes do movimento negro, e ainda a nossa presença no Bom Juá, onde os moradores também participaram desde as filmagens à construção de cenários. Agora estou retomando o processo de finalização, do qual me afastei desde o início de 2007 por ter assumido a gestão da TV pública, o que acabou me absorvendo completamente.


Como está a finalização do longa? Há data prevista para estréia?


_Estamos na finalização da montagem e no processo de produção da trilha sonora. Quero lançá-lo no segundo semestre de 2008.


Qual a sua expectativa em relação à estréia do seu primeiro longa? Mais precisamente em relação à exibição do filme no circuito comercial e à aceitação do público?


_A expectativa é grande. Sou um comunicador, faço cinema para me expressar e com a consciência da expectativa que meu trabalho gera na cidade, no público, e, nesse caso, principalmente na comunidade negra, que, tanto no segmento religioso quanto no segmento político ou social, é parceira do filme. Estou convicto da necessidade de se tratar do tema da religiosidade afro dentro de Salvador. A estréia de um filme como “Povo de Santo” prova isso. Queremos desenvolver um trabalho profissional de divulgação e acesso para que Jardim das Folhas Sagradas esteja disponível. O meu desejo é viabilizar de todas as maneiras o contato do público com o filme.


Que fatores você apontaria como fundamentais para uma maior visibilidade do cinema baiano?

_O principal, como disse, é um trabalho de divulgação focado. Todo diretor,quando faz o filme, sabe, no fundo, para quem está falando. Então ele tem que buscar este público na hora de exibir. Tem que dizer às pessoas que está em cartaz e reservar recursos para que isso possa acontecer.

domingo, 2 de dezembro de 2007

Impressões

Nuvens

Por Davi Boaventura



Davi Boaventura é estudante do 6º semestre de jornalismo na Facom-UFBA.