quarta-feira, 9 de janeiro de 2008

Passepartout

Da ópera ao besteirol
Os teatros e desafios de mercado

Marília Cairo

_ O TCA, um dos teatros de maior porte e prestígio de Salvador, já vem investindo em projetos alternativos para atrair público, a exemplo da Série TCA, que dá descontos no valor dos ingressos para assinantes, ou ainda Grupo Convivência e Passe Livre, programas que se propõe a se aproximar das comunidades, ouvindo as suas opiniões. Nesta edição do Domingo no TCA, que colocou ingressos a 1 real, o teatro lotou. Pessoas que nunca tiveram acesso ao teatro puderam desfrutar pela primeira vez das disputadas Sala Principal, Sala do Coro, Concha Acústica e Foyer, com o projeto TCA 40 anos, que vem exibindo, durante todo este ano, em comemoração ao seu aniversário, uma programação diversificada em horários alternativos e a preços acessíveis. : “O teatro é muito bonito mesmo, muito mais bonito visto por dentro", afirma Shirley Almeida, 32 anos, empregada doméstica, que assistiu a um espetáculo no TCA pela primeira vez, na edição de Novembro de 2007.

O que o público quer?
_Ao consideramos que a freqüência de teatros em Salvador, como também no Brasil, não é muito significativa em relação a outras ofertas de entretenimento - cinemas e shows de música, por exemplo - tentativas como esta do TCA, com o objetivo de "chamar público" acontecem, mas nem sempre com sucesso. É perceptível o desinteresse dos baianos em freqüentar salas de teatro.

_ No entanto, mais que falta de interesse, o que ocorre de forma muito notável é um distanciamento de identidades entre palco e platéia: “se tenho tempo livre, vou ao cinema, teatro só fui uma vez" diz Fabiana Alves, 25 anos, estudante, sobre a sua freqüência a teatros em Salvador. Este distanciamento de realidades é um problema enfrentado por quem faz teatro há muito tempo, o que tem obrigado muitos gestores de teatro, ainda que não optem por seguir, via de regra, as “leis de mercado", ocupando-se apenas em reproduzir o que está em voga, ao menos repensar o seu papel para a realidade e para a sociedade atuais: “a nova gestão instituiu entre outras metas a acessibilidade, que é tornar o Teatro Castro Alves mais aberto para públicos diversos, além disso, ajudar a formar público para teatro e espetáculos de arte em geral”, afirma Luciano Matos (Assessoria de Comunicação/TCA).

_E aí está uma faca de dois gumes: se o teatro se utiliza de formas sabidamente do agrado popular, abre espaço para críticas no sentido de seu papel como “agente de conscientização e transformação social”, ao passo que, se busca modelos distanciados da realidade nacional ou até mesmo local, enfrenta dificuldades na recepção. Sobre esta questão, Ernesto Valença, diretor do setor de teatro da FUNCEB, acredita que a função do teatro não é necessariamente conscientizar, mas divertir. “O artista pode criar formas complexas e se comunicar com um número grande de pessoas, como também não vejo nada de errado em alguém querer modificar sua peça por que não conseguiu a resposta esperada pelo público”. Aliado a isso, surgem movimentos de educação de público e formação de platéia no país. “Em minha opinião, a estratégia deve ser a pesquisa e o aprofundamento da relação com o público, que são coisas demoradas e não se consolidam na primeira tentativa”.


_ Sobre a freqüência do público baiano a teatros, nota-se um relevante interesse da audiência baiana por comédias, tais como as vistas nos teatros Módulo e Jorge Amado, que estão sempre apresentando espetáculos de comédia escrachada como "Dr. Piaba”," A Bofetada " e " 1,99", de Ricardo Castro. O espetáculo "1,99", aliás, foi uma das atrações do Domingo no TCA de Novembro, com platéia lotada, ficando a idéia de que textos mais leves e que valorizem o cômico conseguem o apelo necessário para atrair um maior número de pessoas, angariando um público de faixa etária muito abrangente, entre adultos, jovens e adolescentes. No entanto, a despeito destas considerações, O chamado "besteirol" é na verdade um fenômeno mundial, não ocorre unicamente em Salvador, possuindo um papel importante para a dinâmica do teatro, não somente por que consegue fisgar públicos variados, mas por que pode conter, sim, elementos interessantes e válidos:” É bom que se diga que foi esse besteirol o responsável pela manutenção do teatro em várias partes do Brasil e que, se examinadas mais a fundo, muitas de suas peças tem estofo interessante”, afirma Ernesto.


Teatro como diálogo social

_ Então, falar sobre a prática teatral sempre traz à tona discussões como: se o teatro deve seguir critérios baseados apenas nas preferências dos curadores ou artistas, à revelia do que o seu público local procura? Ou a resposta então seria investir no besteirol, ou no que está na moda, no que agrada o público médio, seguindo as leis de mercado? Ou será que o público baiano, independente de sua classe social, pode se interessar por todo tipo de conteúdo ? Dentre estas alternativas, não se pode, na verdade, fazer escolhas exclusivas, visto que podemos pensar o teatro como algo em constante diálogo com a sociedade na qual está inserido, hora se adaptando, hora criticando ou se impregnando de suas referências. Assim, quando os teatros optam por formas teatrais desenvolvidas através de experimentos, que desafiam a recepção tradicional do teatro, estes estão dialogando com a capacidade de percepção da realidade e do contexto contemporâneo. Podemos pensar, até mesmo, que estas formas existam exatamente por que as formas mais tradicionais não conseguem mais nos tocar.

_ As diferentes visões de gestores de teatro e os projetos chamados de “formação de platéia”, então, estão sempre envolvidos nesses processos de troca de referências, tanto dos próprios teatros, quanto da produção artística, que é o principal cliente dos teatros: "Isso depende muito de uma postura do artista também, de estar disposto a ouvir o público e a dialogar com ele”, diz Ernesto.

Distribuição não-democrática de espaços e inexistência de tradição teatral

_ Mas as dificuldades do encontro entre público e platéia não podem ser simplificadas em gestão dos teatros e falta de interesse do público, pois isto passa por diversas questões, tais como o mau investimento de recursos e a distribuição incorreta dos espaços: “não se pode esperar que a freqüência seja sempre alta quando os teatros estão todos concentrados em áreas centrais ou mais bem providas da cidade. É preciso pensar em outros públicos, abrir espaços em locais mais periféricos e que certamente contam com pessoas interessadas em teatro”, afirma Ernesto. Aliado a isso, um ponto especialmente importante é a falta de formação de uma tradição teatral (as obras dramáticas, por exemplo, não estão inseridas nos currículos educacionais das escolas). Isto dificulta a formação de um público interessado em teatro, uma vez que estes são apresentados a esta experiência somente depois, ou muito depois do período de infância.

_ Todos os desencontros, desde a má distribuição de salas de espetáculo até a falta de investimentos em uma formação teatral, transformam o fazer teatro em um desafio para os gestores e também para os artistas que escolhem esse caminho para sobreviver. Acertar esses descompassos faz parte da dinâmica deste segmento, sempre dialogando com a sociedade. Considerando este diálogo, uma visão contemporânea do teatro, numa sociedade cada vez mais institucionalizada, mecanizada, eletrônica e midiática como é a nossa, talvez seja proporcionar momentos de troca entre as pessoas, não através de meios eletrônicos, mas através da presença física delas.

domingo, 6 de janeiro de 2008

Circo Urbano

O fabuloso mundo dos sebos

Texto Naiana Ribeiro e Louise Vitorino.
Foto Naiana Ribeiro.

_Quem nunca teve um livro usado? Mesmo que ele tenha pertencido a um irmão ou primo mais velho? Aquele que responder não, pode sair correndo e entrar no sebo mais próximo só para não se sentir excluído. Afinal os sebos, brechós e outros espaços que resgatam o passado tomaram conta do Brasil e, em certa medida, tornaram-se cult.

Jeitinho brasileiro.
_Segundo o dicionário Aurélio a palavra sebo significa: 1. Substância graxa e consistente, encontrada nas vísceras abdominais de alguns quadrúpedes. 2. Produto de secreção das glândulas sebáceas, que protege a pele. 3. Bras. Livraria onde se vendem livros usados. Entretanto essa última acepção só é utilizada no Brasil, não existindo em outros países, mesmo aqueles que utilizam a língua portuguesa.


_A primeira vez que foi publicada a palavra sebo como correspondente de livraria que comercializa livros usados ocorreu no Dicionário de Brasileirismos-Peculiaridades Pernambucanas, escrito por Rodolfo Garcia, em 1924, na Revista do Instituto Histórico-Geográfico Brasileiro. Estabeleceu-se no Brasil uma diferenciação entre livraria e sebo, “No Brasil sebo é um estabelecimento que vende livros de segunda mão. Já nas livrarias, vendem-se livros vindos diretamente das editoras” como esclarece o senhor Eurico Bezerra Brandão (na foto acima), proprietário de um sebo que possui filiais em São Paulo e Recife, e que está prestes a lançar um livro sobre os sebos e sua evolução no país.

Tradição em sebos.
_Apesar de cidades como São Paulo e Rio de Janeiro possuírem um número muito maior de sebos, é em Salvador que existe o maior e um dos mais antigos sebos do país, a Livraria Brandão-Sebo, fundada em 1969. A cidade conta também com o maior depósito do Brasil, com mais de 200.000 livros, situado na Estrada do Coco. São cerca de 15 estabelecimentos espalhados pela cidade, alguns são tão antigos que já tem clientela fixa além de tradição, como é o caso da Livraria Sebo Juvenil, situada na Estação Lapa e amplamente conhecida, principalmente entre os estudantes.

_Em alguns sebos podem ser encontradas peças raríssimas, como o livro Digestum Vetus-Digeftorum Feu Pandectarum Iuris, escrito em latim e editado no século XVI. Existe também exemplares que se tornaram raros por conter dedicatórias ou rabiscos em suas páginas feitos por grandes personalidades, como artistas, intelectuais ou escritores. E quanto mais antigo o exemplar ou mais famosa a dedicatória maior é o seu valor histórico e, conseqüentemente, financeiro.

Quem compra livros usados?
_A clientela dos sebos é ampla e diversificada. São estudantes, pessoas com pouco poder aquisitivos, outras em busca de edições raras ou esgotadas, ou mesmo bibliófilos, os colecionadores e amigos dos livros que chegam a ir pelo menos uma vez por semana a estes espaços. Ainda assim são muitos os preconceitos contra os sebos, mas como afirma o senhor Brandão: “De onde viriam os livros novos se não houvesse os velhos?”.

_O principal obstáculo encontrado pelos proprietários dos sebos não é convencer os clientes a adquirirem objetos usados como se poderia imaginar, mas sim encontrar exemplares para serem vendidos em seus estabelecimentos, uma vez que não existem fornecedores de livros de segunda mão. Sempre ocorrem vendas em pequenas quantidades, pessoas que se desfazem de seus livros por viagem, dificuldades financeiras ou apenas para adquirirem outros exemplares. Entretanto as grandes compras não são constantes. Para buscar “novidades” eles têm que contar com um pouco de sorte, como afirma o senhor Brandão “Quando tem alguém se desfazendo de uma biblioteca eu largo tudo que estou fazendo para ir lá”.

_Visitar um dos tantos sebos existentes na cidade é realmente uma experiência inesquecível, não só uma viagem ao passado, mas também um passeio por um mundo repleto de cores e imagens indescritíveis.


Porque sebo?
Estabelecimentos desta natureza tornaram-se famosos pelo nome de sebo porque há uns cem anos atrás era costume portar os livros nas mãos, tanto para estudantes como para professores e intelectuais. Com o tempo os livros ficavam manchados, ensebados pelo suor, logo os ambientes que vendiam os livros usados, ensebados, eram chamados desdenhosamente de sebos.

Trecho da entrevista feita com Eurico Bezerra Brandão.