domingo, 30 de março de 2008

Passepartout

Entre as letras formais e a cultura do povo
Com a implantação da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia. (UFRB), Cachoeira é um embrião da relação entre o conhecimento acadêmico e a cultura popular

Texto Samuel Barros e Luise Sales

Foto Laiz Fraga

_ A cidade de Cachoeira já é conhecida pelo mundo por sua riqueza histórica, pela arquitetura colonial, pela religiosidade de seu povo. Mas agora também será conhecida como uma cidade universitária. Pelo menos é o que pretende o Governo Federal com a implantação do Centro de Artes, Humanidades e Letras (CAHL), ligado à UFRB. “Eu acredito que a tendência é que daqui dois ou três anos Cachoeira se transforme em uma cidade universitária”, comenta o professor Xavier Vatan, recém eleito diretor do CAHL. Já para Damário Dacruz, poeta e morador da cidade, a universidade vai ganhar mais porque a cidade tem muito conhecimento a oferecer. “Quem mais lucrará será a Academia. Nessa relação não ocorrerão apenas estudos e pesquisas. As relações serão muito mais profundas. Creio, inclusive, que mais acadêmicos se tornarão filhos-de-santo em muitos terreiros e aí a dúvida é se as oferendas terão o mesmo efeito...”, brinca.


Problemas estruturais

_ Mesmo sem ter um prédio próprio, as aulas começaram, desde o segundo semestre de 2006, em salas emprestadas pelo Colégio Estadual de Cachoeira. A principio a medida era emergencial e o problema seria rapidamente resolvido com a conclusão das obras de restauração da futura sede, o quarteirão Leite Alves, localizado em frente a ponte ferroviária Dom Pedro II que liga Cachoeira a São Félix, porém com a falência da construtora Uchôa, contratada para obra, uma nova licitação está em tramitação.
_ Segundo o ex-diretor do CAHL, Professor Geraldo Sampaio, a falta de estrutura chegou ao limite. “O Centro não consegue mais suportar a chegada de novos alunos, ou se resolve o problema do Leite Alves, ou abre um novo espaço. Se não, não teremos como abrigar novos alunos”, explica. Atualmente são oferecidos os cursos de comunicação social (habilitação em jornalismo), história e museologia.
_ A falta de um prédio próprio também é identificado como um problema pelo Professor Vatan: “tem muita gente na cidade que ainda pergunta quando a universidade vai começar. A referência deles é o prédio Leite Alves que está com as obras paradas”. Pessoas da comunidade também dividem pensamentos parecidos. “O que aflige a comunidade hoje é saber quando as obras vão recomeçar”, comenta o radialista Marcos Moura.

Os meninos e o povo na universidade

_ A implantação de uma universidade federal em Cachoeira não é fruto do acaso, mas conseqüência de uma longa luta da população do recôncavo que buscava oferecer para os jovens da região um futuro menos incerto, através de uma formação superior de qualidade, bem como a pesquisa e o fomento da cultura local. “Quem tem [dinheiro] pode bancar universidade particular, mas filho de pobre não tem essas mordomias. Se não fosse a UFRB não teria como nossos filhos continuarem estudando”, explica a provedora da Irmandade da Boa Morte, Leonor Anália da Paz Santos, umas das defensoras implantação da Universidade.
_ Outro reflexo foi o incremento na economia regional, com o aumento na demanda de moradia, alimentos e serviços, devido a vinda de estudantes e professores de outras partes do estado. Para o comerciante Teobaldo Miranda, “a mudança é notória e não é só no setor econômico como também na área acadêmica. Os jovens agora se preocupam em fazer cursinhos, terminar o segundo grau, coisas que antes eram o fim da vida escolar. Hoje eles sonham em fazer uma faculdade”, comemora.
_É curioso também notar que a convivência entre pessoas implica algumas mudanças. Damário Dacruz não perde a oportunidade para filosofar: “Primeiro [os reflexos] de ordem econômica, são mais pessoas consumindo; depois de ordem ambiental, são mais pessoas cagando. Entre uma coisa e outra, a vida mudando na convivência das idéias”.


O metodológico e o espontâneo

_ O vereador Paulo César Reis Leite (PR) não economizar nas palavras: “a universidade ainda não está aberta para a comunidade pobre. A população sabe que existe, mas não conhece, não tem interesse. Tem que existir uma aproximação da Universidade com a comunidade”, critica. Como solução, Paulo Leite aponta: “Os próprios dirigentes precisam interagir com o município, criar audiências públicas nos bairros, incitar o debate, movimentar mais, chamar o povo”.
_ Por outro lado, a professora Alene Lins argumenta que o impacto só será sentido quando os projetos de pesquisa e extensão, efetivamente, andarem e retornarem, como benefícios para a comunidade. Ela informa que já foram realizados seminários e palestras, mas esses eventos não têm impacto sobre a grande maioria das pessoas da comunidade. “Mas acredito que só o fato de Cachoeira ter um centro de ensino, já possibilita a alguns jovens, realizar o desejo de obter nível superior, de qualidade e gratuito”, argumenta.

terça-feira, 18 de março de 2008

Novidade

Exposição Fotográfica
"Boneca sai da Caixa"

Clique na imagem para ampliar

_Imagens de corpos migrantes, figurações que retratam identidades nômades, sem fronteiras claras, que se recusam às classificações e aos modos socialmente aceitos de pensamento e de conduta. Corpos sexuados que posam para uma câmara amável, que convida a um recorrido não convencional. Fotos que mostram corpos de interface, corpos como mosaicos de peças desmontáveis, brinquedos de armar...

_Boneca sai da caixa anuncia o título da exposição fotográfica realizada pelos monitores do Laboratório de Fotografia da Faculdade de Comunicação da UFBA, com vernissage marcado para o dia 3 de abril, no Instituto Cervantes.

_Boneca, sai da caixa! Quase uma ordem para sair a brincar um jogo que nem sempre é risonho, por que mobiliza também intolerância, pré-conceito e violência.

_As imagens desta mostra se comprometem com a paródia, com sua força política, com belezas deslocadas, com corpos em estado de tradução permanente. Os retratos deste jogo têm a possibilidade de oferecer pistas para pensar formas alternativas de estar no mundo, de amar, de ser viajantes do desejo.

_Não é preciso ir longe nem sair de mala e cuia. Podemos ser nômades sem sair de casa, apenas jogando o jogo das máscaras, do faz de conta, como neste pequeno teatro montado em paralelo à Parada Gay de Salvador do ano passado. Atores cujas fantasias - cheias de detalhes, brilhos, lantejoulas e paetês – nos dizem que o verdadeiro está na aparência. Posaram sem pudores pelo prazer de anunciar que são o que escolheram ser e que máscaras não são caretas. Poderemos, algum dia, olhar para essas fotos como retratos das diferenças e não como desvios?

_Pelo direito de ser, de existir e, principalmente, de brincar para além do dia da Parada Gay, as imagens produzidas por estes jovens fotógrafos podem ser visitadas todos os dias, entre 3 e 30 de abril, das 8 às 19 horas no salão de artes do Instituto Cervantes, situado na Ladeira da Barra.

Graciela Natansohn




O quê:
Exposição Fotográfica "Boneca sai da Caixa".

Onde: Instituto Cervantes, Ladeira da Barra. Salvador, Bahia, Brasil.

Quando: 03 a 30 de abril.
(Inauguração às 19 horas; diariamente das 8 às 19 horas).

Quanto: Grátis.

Realização: Laboratório de fotografia da Facom - UFBA

Site: http://www.labfoto.ufba.br/

Telefone: (71) 3283-6185

Assessoria da exposição: Petcom-UFBA - petcom@ufba.br / (71) 3283-6186. Celular: (71) 8169-4612 – Hortência Nepomuceno.

sábado, 1 de março de 2008

Le Parkour
A arte do deslocamento

Texto Davi Boaventura e Marcel Ayres
Foto Fabiane Oiticica e Davi Boaventura

_ Dia quente. Duas pessoas fazem alongamento e se preparam em uma praça de esportes. Calça, blusa e um par de tênis sujos. Eles correm, saltam e se equilibram com as mãos em um pequeno corrimão de 20 cm de largura. Rapidamente, se movimentam como felinos em cima da pequena linha de ferro. Concentrados, buscam a perfeição no silêncio. Pulam e com apenas um pé tocam numa mesa de pedra ganhando impulso. Os músculos se contraem e, de repente, já estão em um banco quase dois metros à frente. O que pode parecer uma brincadeira de pula-pula é, na verdade, um treino físico do Parkour, disciplina que busca a superação de obstáculos urbanos e naturais de maneira mais rápida e eficiente possível.

_Criado na década de 80 pelo francês, David Belle, Le Parkour - o percurso - foi inspirado nas técnicas de salvamento do Corpo de Bombeiros francês e influenciado pelo Método Natural de Georges Hérbert, um programa de desenvolvimento físico baseado em exercícios que dispensam aparelhos, que se tornou bastante utilizado em treinamentos militares.

_No entanto, a difusão da prática aconteceu, principalmente, a partir do documentário Jump London, de Sebastien Foucan. Amigo de Belle, Foucan desenvolveu uma vertente da disciplina, o free-running. "O Parkour visa eficiência dos movimentos com o mínimo de energia gasta. o Free-running cultua a beleza, independente do gasto de energia", explica Eduardo Rocha, Traceur - nome dado ao praticante - há um ano e meio.

_No Brasil, o Parkour chegou por volta de 2001 e ganhou popularidade há cerca de dois anos. Não existem escolas ou cursos sobre a disciplina. Os conhecimentos são passados de um traceur para outro ou através de informações contidas em sites e blogs na internet. "O crescimento se encontra um tanto desordenado e a boa informação não é muito acessível", afirma Eduardo. "Os veteranos se tornam o canal de disseminação da filosofia e da boa prática do Parkour", completa.

_A disciplina pode ser realizada em qualquer lugar. Geralmente, os grupos ou clãs, como se denominam, buscam locais que ofereçam um grande número de obstáculos e possibilitem o treinamento das mais variadas técnicas, que podem ser úteis em situações de fuga ou evacuações. Em Salvador, os traceurs podem ser encontrados em lugares como o Parque Costa Azul, o Parque da Cidade, a Praça do Jardim Baiano e o Dique do Tororó.

De galho em galho

_Embora o movimento venha sendo divulgado pela mídia e os seus seguidores busquem mostrar as suas intenções e filosofia, alguns praticantes afirmam que a sociedade ainda não compreende bem esse tipo de atividade. Ainda existe resistência em relação à prática do Parkour. Em alguns casos, como em exercícios que utilizam os galhos de árvores para o deslocamento, os seguranças dos parques e policiais impedem os treinos. "O traceur é visto como vândalo por algumas pessoas", reclama Thiago Xavier, praticante há dois anos.

_Os administradores e proprietários dos espaços usados pelos traceurs se defendem. "Eles podem ficar a vontade desde que não danifiquem o patrimônio", garante Benedito Araújo, administrador da área verde do Dique do Tororó. "Às vezes, uma árvore não significa tanto para as pssoas, mas para o parque significa muito", completa. Em situações como esta, os praticantes apontam o diálogo como a solução, mas a prioridade é a preservação do ambiente.


_Um dos principais benefícios apontados por quem faz Parkour é o condicionamento físico. "Você precisa ser forte para conseguir realizar os exercícios", aponta Thiago. Segundo ele, cada movimento pode trabalhar ao mesmo tempo músculos de várias partes do corpo, além de fortalecer os ligamentos. "Se a pessoa vê na televisão e acha que é só pular prédios, vai se dar mal", afirma.

_Como em algumas práticas esportivas, a disciplina também apresenta riscos. "Toda e qualquer atividade de impacto tem seu lado negativo", explica o fisioterapeuta e professor Anderson Delano. "É necessário aquecimento e alongamento. Não se pode saltar grandes distâncias de uma hora para outra", alerta. Anderson adverte sobre o exercício para crianças e adolescentes, pois eles ainda não têm a estrutura óssea e a cartilagem totalmente formada, o que pode prejudicar o crescimento.

_O Parkour não incentiva o espírito competitivo. Para tentar evitar polêmicas, a Associação Brasileira de Parkour, ABPK (http://www.blogger.com/www.abpk.org.br), vem organizando a campanha nacional Parkour, livre de competições - inspirada na camapanha internacional Pro Parkour, Against Competition, apoiada por David Belle. "Quem leva o Parkour a sério não está em busca de ser radical ou se exibir", assinala Thiago Xavier.


Esporte, lazer ou filosofia?

_Segundo David Belle, o Parkour é uma arte urbana e contemporânea de viver. Porém algumas opiniões são contraditórias. "Para mim, é um esporte. Tem sua dinâmica própria e acaba sendo uma convergência de diversas modalidades", aponta Caio Matheus, estudante universitário. "Eu não considero um esporte, pois não existem competições", rebate Thiago Xavier. "Quem faz Parkour evita a hierarquização entre os seus praticantes, treinamos para nós mesmos", completa.


Filmes que mostram o Parkour.

- B13 - Os gangs do bairro 13.
P. Morel. França, 2004.

- Jump Britain.
M. Christie. Grã-Bretanha, 2005.

-Yamakasy.
A. Zeitoun, J. Seri. Bélgica, 2001.

-
Os filhos do vento. J. Seri. França, 2004.