por Rebeca Caldas
_ Semana passada, recebi um e-mail que dizia:
O Senador Marcelo Crivella, pastor e político, está prestes a aprovar, no Senado Federal, uma emenda à Lei Rouanet que permite a construção, reforma de templos religiosos com renúncia fiscal, passando a disputar verbas com a cultura.Vamos lutar para manter as poucas verbas para as artes e a cultura brasileira.Repasse a informação a seus amigos.
_ A Lei Rouanet é uma lei de incentivo fiscal, na qual o Estado “abre mão” de 4% do imposto de renda arrecadados por empresas, a fim de incentivar a produção cultural no país. A emenda proposta por Marcelo Crivella (PLS 69/05) busca ampliar a abrangência da Lei Rouanet aos templos religiosos considerados históricos (de qualquer religião), a fim de garantir a conservação de sua infra-estrutura, utilizando recursos do Pronac (Programa Nacional de Apoio à Cultura), cujas fontes de financiamento são recursos do Tesouro Nacional, arrecadação de loterias federais e incentivos fiscais.
_ O senador Marcelo Crivella é pastor da Igreja Universal do Reino de Deus (IURD) e sobrinho de Edir Macedo, o fundador da IURD. Destas informações é previsível que a repercussão deste fato foi enorme. Numa pesquisa na internet, encontrei sites como o da Folha de São Paulo, Prefeitura de São Paulo, Terra, do partido PC do B e muitos outros, principalmente blogs, que mencionavam o assunto. Além disso, houve uma entrevista no programa do Jô Soares com o senador, no dia 30/04/2007 acerca deste tema.
_ O aspecto comum em todos os sites que consultei foi a indignação das pessoas com a intenção de Crivella, elas dizem que ele está querendo utilizar o dinheiro público destinado à cultura em benefício da Igreja Universal. No e-mail que recebi, havia um link para um abaixo-assinado contra essa atitude do senador (http://www.petitiononline.com/mod_perl/signed.cgi?cult2007). Nele, até hoje, foram 39.854 assinaturas.
_ Quis falar sobre esse fato para chamar atenção para um fenômeno bem mais amplo que vem acontecendo na sociedade, que é a crescente representatividade dos evangélicos nas diversas instâncias sociais. Na eleição para prefeito aqui em Salvador, entre os quatro prefeituráveis, dois eram evangélicos (Walter Pinheiro e João Henrique), inclusive os que foram ao segundo turno, e ACM Neto tinha como vice o bispo da Igreja Universal Marcio Marinho. O próprio Marcelo Crivella foi candidato a prefeito no Rio de Janeiro, ficando em 3º lugar, com 19,06% dos votos. Nos horários destinados à propaganda eleitoral em Salvador, foi evidente a postura dos candidatos a vereadores relacionados a igrejas evangélicas de pronunciar sua fé e convocar os fiéis a votarem neles.
_Outro aspecto importante é o crescente desenvolvimento da indústria de música religiosa, a gospel, e até a presença da música evangélica em redes de televisão (em novelas) e rádios em geral e a propaganda de CDs evangélicos por gravadoras importantes em grandes empresas de televisão, como é o caso da propaganda relacionada ao Cd de uma cantora evangélica (Aline Barros) pela Som Livre na Rede Globo.
_ Mas o curioso é que o universo religioso evangélico possui particularidades e muitas vezes antagonismos com o que acontece fora das suas fronteiras. No entanto, seu crescimento tem sido tão evidente, que eles estão presentes até no poder político, inclusive tentando defender interesses inerentes a este universo.
_ Há mais uma face desse fenômeno que me chama atenção: nos bairros periféricos da cidade, regularmente aparece em uma casinha qualquer uma igreja nova, que em pouco tempo torna-se insuficiente para tantos fiéis. O pior é que grande parte destas igrejinhas forma fiéis fundamentalistas, com posturas bastante rígidas. Quem nunca viu um crente gritando num ponto de ônibus ou dentro do próprio veículo com idéias apocalípticas prevendo o fim do mundo e um destino drástico para os que não seguirem suas doutrinas?
_ Preocupa-me ver que na maioria destes bairros não há sequer um local para a produção e fruição da cultura. Logo a cultura, que tem o poder de abrir horizontes, causar uma fuga e uma reflexão sobre a realidade, produzir conhecimento, promover o desenvolvimento social. Enquanto isso, o nosso senador propõe ao governo a utilização do dinheiro destinado à cultura no ambiente religioso.
_ Por enquanto, o relacionamento entre os dois universos possui bastantes ruídos. Os fiéis fundamentalistas vêem a cultura como aquilo que é do mundo exterior e não deve ser consumido pelos membros do seu mundo. Já a sociedade se indigna com o crescimento e as atitudes consideradas insensatas e oportunistas dos evangélicos.
_ Penso que é necessário se criar um diálogo entre estas instâncias. Até porque a liberdade religiosa é direito de todo cidadão brasileiro e a diversidade de religiões é uma das nossas riquezas culturais. Que todos possam ir ao templo quando quiserem, mas que também tenham acesso às diversas manifestações culturais produzidas pelo nosso povo, afinal, é também nosso direito. Mas é preciso fazer a diferença entre o que é da coletividade e o que faz parte de um universo particular.
Fontes:
• http://g1.globo.com/Eleicoes2008/apuracao/0,,AUE0-15693-2-60011,00.html
• http://www.senado.gov.br/senamidia/parla/noticiaDoSenado.asp?ud=20080915&datNoticia=20070502&codNoticia=57409&codParlamentar=3366&nomParlamentar=Marcelo+Crivella
• http://www.senado.gov.br/senamidia/parla/noticiaDoSenado.asp?ud=20080915&datNoticia=20070502&codNoticia=57409&codParlamentar=3366&nomParlamentar=Marcelo+Crivella
• http://terramagazine.terra.com.br/interna/0,,OI1664631-EI6619,00-Lei+Rouanet+para+a+Igreja+Universal.html
• http://terramagazine.terra.com.br/interna/0,,OI1666396-EI6578,00.html
• http://www.mundogump.com.br/bispo-senador-marcelo-crivela-quer-destinar-dinheiro-da-lei-da-cultura-para-igrejas/
• http://www6.prefeitura.sp.gov.br/secretarias/cultura/imprensa/0362
• http://observatorio.ultimosegundo.ig.com.br/artigos.asp?cod=438ASP003
• http://www.direitoacomunicacao.org.br/novo/content.php?option=com_content&task=view&id=2792
• http://fenaj.org.br/materia.php?id=1670
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