quarta-feira, 31 de outubro de 2007

Cubo Mágico - Sub-versão

FRUCTO PROHIBIDO


Marcos Palacios


“Então Iahweh Deus fez cair um torpor sobre o homem, e ele dormiu. Tomou uma de suas costelas e fez crescer carne em seu lugar. Depois, da costela que tirara do homem, Iahweh Deus modelou uma mulher e a trouxe ao homem ”

(Gênesis 2: 21-23)
Acordou cansado, com uma tremenda dor nas costas. Sentia como se lhe houvessem arrancado uma costela enquanto dormia. Levantou-se, espreguiçou-se, bocejou. Sacudiu uma mijada no tronco de uma árvore e, só então, deu pela presença dela. Ali sentada. Calada, mastigando um talinho da grama.

Era perfeita. Morena, olhos verdes, um corpo incrível. Exatamente como ele sempre imaginara. E agora ela estava ali. E ele sem saber o que fazer.

Aproximou-se, meio sem jeito. Não tinha qualquer prática desse tipo de situação, mas sentiu que devia tomar a iniciativa:

- Oi, tudo bem? Eu sou Adão...

E ela, lânguida e contemplativa, como que recém-criada ou saída de um sonho:

- Oi... Prazer... Sou Eva...

- Eva? Eva? Que nome engraçado...

- Engraçado? Pois não vejo nenhuma graça... Como você queria que eu me chamasse? Emengarda? Jozilda? Eleuzina? Ivoneide?

Adão percebeu que começara mal. Emendou rapidamente:

- Desculpe. Eu não quis ofender. Falei só por falar. Seu Jeová, meu Patrão, vive dizendo que sou mesmo um caipira bronco e sem refinamento... Não estou acostumado a conviver com outras pessoas. Por favor, não se zangue.

Ela não dava mostras de estar zangada:

- Quem é esse tal de Jeová?

- É o dono destas terras. Eu nasci e me criei aqui e sempre trabalhei para Ele. Sou o zelador destes Jardins...

- Zelador?

- É. Tomo conta das coisas aqui para o Velho. Quer dizer, tomo conta é modo de falar. Não há muito o que fazer... Já dei nome a todos os bichos e plantas, como Ele mandou, e até criei um sistema de classificação das diferentes espécies animais: os que voam, os que se arrastam, os que andam sobre duas e quatro patas, lisos, com plumas, com pelos... Para ser sincero, não faço coisa nenhuma e aborreço-me horrores. Foi por isso que pedi a Ele que me arranjasse uma companheira. Agora que você chegou, tudo vai ser diferente. Este lugar é muito agradável. Um verdadeiro Paraíso...

Justamente quando a conversa começava a engrenar e Adão ia ganhando confiança e se sentindo mais à vontade, Jeová chegou, acompanhado de Arcanjo e Serafim, dois jagunços mal-encarados, que o seguiam onde quer que Ele fosse.

- Ah, vejo que já se apresentaram. Ótimo. Espero que se dêem bem...

Eva olhou para o velhote e sentiu uma imediata antipatia pela Figura. Barbudo, cabeludo, unhas sujas, dava a impressão de haver passado uma Eternidade sem tomar banho. Achou-o repugnante. Detestou o tom autoritário dele falar.

- Olha, Adão, você fica encarregado de explicar para Eva o Regulamento dos Jardins. Ela está aqui em caráter experimental. Se criar problemas você me avisa...

E Adão, submisso:

- Não se preocupe, Chefe, vai dar tudo certo...

Assim que Jeová deu as costas e deixou os Jardins, seguido pelos dois capangas, Eva desabafou:

- Velho nojento... Não fui com as barbas dele... Não sei como você agüenta tanta empáfia e prepotência...

- Ora, Eva, Ele é apenas um pouco ranzinza. Tem Suas manias e pequenas implicâncias. Coisas da idade. No fundo não é má Pessoa. Sempre me tratou muito bem, apesar desse Seu jeito durão.

- E de que Regulamento ele estava falando?

- Bem, é muito simples. Existe apenas uma Regra: “Tudo vos será permitido, porém do Fruto da Arvore do Conhecimento não comereis jamais”.

- Só isso?

- Só.

Eva ficou pensativa.

- Um Fruto Proibido, ein!... Eu já ouvi uma história parecida, não lembro bem onde... Vamos ver! Cadê a tal Árvore?

Não era uma Árvore. Era todo um Pomar. Imenso. Frutas lindas, vermelhas, carnudas, perfumadas. Uma verdadeira Tentação.

Jeová passou três meses sem aparecer pelos Jardins. Quando deu as caras, encontrou o terreno cercado com fios eletrificados, posse requerida na Justiça, uns negrões enormes de guarda no Portão e uma moderna fábrica em plena produção, fornecendo Tortas de Maças do Amor para o Bob’s, MacDonald’s e quase todas as lanchonetes finas da Zona Sul.

Jeová ainda entrou com uma ação de reintegração de posse, mas deu com os burros n’água. Além de ter um tio muito influente no Instituto de Terras, Eva havia subornado todos os juízes do Supremo Tribunal.

Jeová acabou pagando as custas do processo, vendeu as propriedades que ainda lhe restavam no Rio e mudou-se para São Paulo, onde hoje tem uma sortida malharia no bairro judeu do Bom Retiro.

Eva acabou se separando de Adão por absoluta incompatibilidade de gênios, vendeu a fábrica de Tortas de Maças para uma multinacional e trocou os Jardins do Paraíso por um paraíso fiscal na ilha de Saint Maluf, no Caribe, onde hoje vive com Caim, um conhecido playboy internacional que - dizem - matou o próprio irmão para herdar sozinho a fortuna do pai...

5 comentários:

Anônimo disse...

O final é ótimo.

O texto conseguiu ter uma narrativa leve e crítica ao mesmo tempo.

Parabéns

Álvaro Andrade disse...

haha

bacana!

Nem Ele pode com elas...

Marcelo Oliveira disse...

Ah, gostei bastante!

O final ficou ainda mais interessante.

Gosto de representações de Deus como um mandão sacana =)

Anônimo disse...

leve e crítico.

=)

Anônimo disse...

palacios não tem acento, minha gente.