sábado, 3 de novembro de 2007

Cubo Mágico - Sub-versão

João e Maria


Marcelo Oliveira

João e Maria eram dois punks que viviam na Floresta Encantada junto com seus pais, o lenhador e a dona de casa oprimida. Até os dois meninos se revoltarem contra o Sistema tudo eram flores. Mas, uma vez que a rebeldia começou, os pais exerceram sua autoridade e lhes impuseram um leve castigo: expulsão vitalícia de casa.

Enquanto largavam-se drogados na relva, a falar de sonhos e liberdade, seus pais vieram por detrás e delicadamente os esmurraram, até desmaiarem.

Logo depois disso, eles foram arrastados floresta adentro por uma trilha secreta que seus pais usavam quando jovem e que resultou no casamento deles. Antes de abandonarem as crianças, os progenitores sofreram horrores:

“É muita dor pra uma mãe, isso...”, a chorar. “Cale a boca mulher!, que eu que sou homem que tenho que agüentar esse martírio”. E se foram.

Por dias João e Maria, perdidos, souberam o que era a fome. Inicialmente odiaram o Sistema tão desigual, pra logo depois voltar atrás, implorando que tivessem de volta o capitalismo do hambúrguer e das fritas. Foi em meio a este pedido desesperado aos céus, que eles avistaram uma apetitosa miragem: uma casa toda feita de hambúrguer, fritas, doces variados e coloridos, e com uma calha de onde caía refrigerante.

Comeram, com uma ânsia jamais vista num ato sexual. Felizes, e agora curiosos, entraram na casa pra ver o responsável pela arquitetura gastronômica.

Logo que entraram, uma sala de paredes branco-hospital e um estalo raivoso no ar, que quando os atingiu, induziu sono profundo.

...

Acordaram, a vista tornando do preto para as cores do mundo ao redor. Então viram uma figura tenebrosa: uma bruxa alta, magérrima e desengonçada, parecendo um esqueleto. Ela tinha voz fanha e raivosa:

“Odeio criança gordinha! Odeio gordura, odeio fritura, odeio o Sistema!!!”

João e Maria protestaram, mas até as suas mortes nunca mais comeram. Se viciaram em anfetaminas, enquanto subnutriam-se.



Marcelo Oliveira é estudante de Comunicação - Jornalismo na Universidade Federal da Bahia.

2 comentários:

Anônimo disse...

Gostei.

Embora o contexto de "subversão do sistema" seja bem batido, conseguiu deixar o texto interessante.

Praticamente um Réquiem para João e Maria.

Anônimo disse...

gostei também :)
clichês bem contados são ótimos.