segunda-feira, 9 de junho de 2008

Passepartout

Phil Ochs

por Ana Camila

_Lá pelos idos dos anos 60 nos Estados Unidos, havia um intenso movimento cultural anti-guerra, mais expressivo através da música. Na ocasião, a guerra que todos queriam que acabasse era a talvez mais sem-noção guerra de todos os tempos, a do Vietnã. Entre os músicos que dedicavam suas carreiras a fazer campanha para que os Estados Unidos deixassem o Vietnã em paz, estava o jovem folk singer Phil Ochs.

_Nascido em El Paso, Texas, em 1940, Ochs foi um inquieto crítico dos Estados Unidos que, por sua vez, era a paixão da sua vida. Um “patriota social-democrata de esquerda”, como gostava de se descrever, Ochs não se conformava com os rumos que os Estados Unidos estavam tomando em questões econômicas e sociais. Quando da Guerra do Vietnã, Phil Ochs já havia traçado o seu caminho: precisava tentar acordar o povo americano e todos os que conseguisse atingir em qualquer lugar do mundo, alertá-los sobre as contradições, os abusos, as injustiças e desigualdades dessa nação que se julgava um exemplo de liberdade a ser seguido. E seu único instrumento era a sua música. Desde pequeno aprendeu a tocar alguns instrumentos em casa, e era em casa que ouvia muita música clássica e country. Hank Williams Sr. e Johnny Cash eram seus heróis.

_Phil Ochs se mudou muitas vezes durante a sua vida, conseqüência de uma família inconstante e cheia de problemas. Foi na universidade de jornalismo, em Ohio, que Ochs passou a se interessar ainda mais por temas políticos, principalmente pela revolução cubana de Fidel. Ochs criou um jornal underground chamado “The Word”, ao mesmo tempo em que se familiarizava com a música folk americana, por influência de Jim Glover, um colega da faculdade. Folk singers como Pete Seeger e Woody Guthrie passaram a ser referência musical de Ochs. Não demorou muito para ele e Glover começarem a tocar juntos em pequenos festivais de música folk em Ohio. Mas foi quando conheceu Bob Gibson, cantor folk já algo conhecido na época, que Ochs começou a se envolver profundamente com a música folk e a compor a partir da influência de Gibson.

_Então Ochs, decepcionado por não ser escolhido como editor do jornal da universidade, largou a faculdade de jornalismo em Ohio e se mudou pra Nova Iorque, onde teve a chance de tocar em muitos clubes de música folk. Seu repertório era composto por músicas com letras sobre guerra, liberdade de expressão, democracia, problemas das classes trabalhadoras, além de pequenas odes a líderes políticos ou eventos políticos considerados relevantes por Ochs. Lá pelos idos de 1963, Phil Ochs já era bastante conhecido do público, o que lhe abriu portas para cantar ao lado de figuras como Bob Dylan, Tom Paxton e Joan Baez. Ochs e Bob Dylan começariam nessa época uma turbulenta relação cheia de vaidades e afetações. Elogiavam-se publicamente, mas nos bastidores quase chegaram a sair no tapa.

_Phil Ochs gravou oito discos em toda sua carreira, e já nos dois primeiros pode-se conferir o melhor de suas canções e letras. Em All The News That’s Fit to Sing (1964), Ochs escolheu canções que representavam o melhor do seu folk, com letras poderosas como a de One More Parade [letra] [video], uma crítica aos soldados americanos, e Automation Song [letra], sua visão do trabalho braçal que tenta sobreviver à era industrial. O álbum seguinte, I Ain’t Marching Anymore (1965), Phil Ochs segue a mesma linha e traz músicas como Draft Dodger Rag [letra] [video], uma de suas muitas provocações à Guerra do Vietnã, que fez estrondoso sucesso na época. Esse disco também tem outras importantes canções que tornaram Ochs um grande cantor de protesto – como a faixa-título [letra] [video], um apelo aos soldados americanos para que não vão à guerra; também In The Heat of the Summer [letra], Days of Decision [letra] e Here’s to State of Mississippi [letra] [video] – todas tratando de temas como a classe trabalhadora explorada nos Estados Unidos, a posição que Ochs considera essencial que o cidadão americano tome diante dessas situações, e, no meio disso tudo, sua declaração de amor ao seu país.

_Phil Ochs in Concert (1966) é, talvez, um dos seus melhores discos. Já cheio de prestígio entre o círculo de música folk, Ochs pôde mostrar como é bem humorado, além de sarcástico, com a platéia que se delicia com sua performance. No In Concert, o cantor gravou suas mais fortes e impactantes canções, tais como Bracero [letra] [video], I’m Gonna Say it Now [letra] [video], Changes [letra] [video], Love Me, I’m a Liberal [letra] [video], Cops of the World [letra] [video] e Ringing of Revolution [letra]. Pelos títulos pode-se ter uma idéia do que se tratam, mas é interessante ressaltar o modo como Ochs muitas vezes se coloca na voz daqueles que critica, como em Cops of the World, uma ironia aos policiais americanos e seus modos de atuação. Bracero é também outra canção de cunho irônico e ao mesmo tempo melancólico, sobre o modo como os imigrantes mexicanos são iludidos pelas oportunidades de trabalho em terras estadunidenses.

_Mas nem só de protestos viveu Phil Ochs. Com sua mente sempre atormentada, o cantor era dotado de uma personalidade extremista, com variações de humor com as quais poucos sabiam lidar. O álcool foi seu companheiro por toda a vida, assim como a depressão, que parece ter vindo da família. Ochs era um jovem inconformado com qualquer tipo de injustiça – ou o que ele considerava injustiça – e isso também estava nas suas letras e se revelava no seu comportamento explosivo e difícil. Na canção Outside Of A Small Circle Of Friends [letra] [video], Ochs faz uma crítica à apatia da sociedade ao seu redor, e seu tom é de tristeza, mais que de raiva. Em Chords of Fame [letra] [video] o cantor mostra seu lado mais divertido ao falar das armadilhas da fama. Temas mais intimistas aparecem nas canções Changes, As I Walk Alone [letra], Cross My Heart [letra] e When I’m Gone [letra], esta última uma bonita declaração de amor à vida.

Video-homenagem a Phil Ochs no Youtube, ao som de When I'm Gone

_A partir de 1967, os discos de Phil Ochs mudaram de estilo. Já não se tratava de simples músicas folk somente com voz e violão, mas toda uma produção musical com cordas e orquestra, o que não foi exatamente bem visto pela crítica e nem pelo público. Mesmo com mudanças na produção, Ochs não deixou de falar dos temas que lhe inquietavam, e a força de suas letras aumentava com o passar do tempo. Mas a falta de crédito por parte do público e a apatia em relação ao seu trabalho o deixaram depressivo e desesperançoso. Na capa do disco Rehearsals for Retirement (1969), provavelmente o disco mais baixo-astral do cantor e, ironicamente, o seu último, pode-se ver uma perturbadora foto de uma lápide com a data de seu nascimento e morte, abrindo alas para canções como I Kill Therefore I Am [letra] [video] (mais uma crítica aos soldados americanos), My Life [letra] (um triste olhar sobre as mudanças na sua vida depois de muitos anos), The Scorpion Departs but Never Returns [letra] (talvez sua única letra de auto-compaixão, ao lado de One-Way Ticket Home [letra]), e a própria faixa-título [letra], uma canção de despedida.

_Mesmo tentando voltar aos trilhos nos anos 70, Phil Ochs estava demasiado chateado com o não-reconhecimento do seu trabalho, e enquanto fazia shows por todos os lugares que passava (muitos deles imortalizados em gravações post-mortem), o álcool e as pílulas pareciam ser as únicas coisas que consumia diariamente. Apesar do comportamento maníaco-depressivo, aliado ao alcoolismo e a falta de motivação, Ochs continuou tocando tanto quanto podia, especialmente suas famosas músicas de protesto e anti-guerra. Nesse tempo, fez parcerias com Victor Jara, Joni Mitchell, James Taylor e Stevie Wonder, além de ser pessoalmente convidado por John Lennon para participar de um evento beneficente em 1971. Apesar de seu comportamento auto-destrutivo, Phil Ochs ganhava cada dia mais o respeito de cantores ao redor do mundo, e muitos o convidavam para duetos, assim como prestaram bonitas homenagens a sua obra anos depois.

_Phil Ochs viveu para ver o final da Guerra do Vietnã, em 1975, guerra esta que lhe inspirou suas mais veementes canções de protesto, algumas que chegaram a virar ícones da cultura folk, como The War is Over [letra], que Ochs cantou pela última vez logo após o fim da guerra, para celebrá-lo. Mas precisamente um ano depois o cantor decidiu tirar a própria vida, e se enforcou na sua casa em Nova Iorque. Ochs pareceu ter esperado tranquilamente pelo fim da guerra, talvez por fazê-lo sentir que seus apelos e suas mensagens através da sua música fizeram alguma diferença.

_E não há dúvidas, hoje, de que, sim, fizeram. Ochs nunca se rendeu às armadilhas do Estado – este que o considerava um inimigo, apesar de ele nunca ter infringido uma lei sequer na vida. O que Ochs procurou fazer durante toda a sua carreira foi usar seu talento para a música, seu bom humor e sarcasmo, sua sensibilidade e criticismo para fazer as pessoas pensarem ao mesmo tempo em que lhes oferecia uma música prazerosa. Com sua “voz mal-assombrada”, como ficou conhecida nos Estados Unidos, Ochs tinha um modo de cantar atraente e, ao mesmo tempo, inquisidor, e suas músicas nada significavam sem suas letras, e vice-versa. O equilíbrio, a força e a grandiosidade de suas canções são até hoje reverenciadas por um público que lhe permanece fiel, e por novas gerações de jovens e artistas, que fazem questão de seguir espalhando as mensagens de Ochs por todos os lados.

Links relacionados:

Phil Ochs no Wikipédia

Página web tributo a Phil Ochs (possui o mais completo material sobre o cantor na internet)

Phil Ochs no MySpace

Phil Ochs no Last.Fm

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