sexta-feira, 21 de novembro de 2008

Circo Urbano

Fim da guerra do Iraque
Por Joseane Bispo


"Termina a guerra do Iraque”, essa foi a manchete do The New York Times de quarta-feira (13), que circulou nos Estados Unidos, principalmente em Nova York e Los Angeles. A notícia foi criação de um grupo de zombeteiros, como estão sendo chamados no país, que forjaram mais de 1,2 milhão de exemplares do jornal.

Na capa do jornal, o tradicional slogan do NYT - "Todas as notícias que vale publicar", virou "Todas as notícias que esperamos publicar". Uma das notícias destacadas na capa diz o seguinte: "A ex-secretária de Estado Condoleezza Rice garantiu aos soldados que o governo Bush sabia desde bem antes da invasão que Saddam Hussein carecia de armas de destruição em massa".

Outros títulos da primeira página dizem: "Aprovada lei do salário máximo"; "Nacionalizado, petróleo vai financiar esforços contra a mudança climática"; "Nação volta seus olhos para a construção de uma economia saudável". E na página 3, um anúncio de página inteira, também falso, dizia que a ExxonMobil celebrava o fim da guerra do Iraque e que a paz é "uma idéia com a qual o mundo pode lucrar", vale lembrar que a ExxonMobil, é a maior empresa de capital aberto do setor global do petróleo, que tem grandes interesses no Iraque pós-Saddam.




O jornal com 14 páginas, que supostamente foi criado por um grupo chamado Yes Men, cujos integrantes já se fizeram passar por funcionários da Organização Mundial do Comércio e anunciaram o fim da entidade, era um material bem produzido e conseguiu passar despercebido por muitos, com exceção do The New York Times, é claro, que disse por meio de uma porta-voz, Catherine Mathis estar investigando, "É falso e estamos investigando".

O grupo criou até um site (http://www.nytimes-se.com/), para divulgação da edição do jornal, em nota no mesmo, eles comentam como foi o processo de elaboração do material, declaram que o jornal levou seis meses para ser feito, que a impressão aconteceu em seis gráficas e a distribuição ficou a cargo de milhares de voluntários.

Bertha Suttner, que afirma ser uma das responsáveis pelo falso jornal, disse que a atitude foi uma proposta de garantir que o presidente-eleito dos EUA, Barack Obama e outros democratas façam aquilo para que foram eleitos, "Após oito, talvez 28 anos de inferno (desde a eleição de George W. Bush e Ronald Reagan, respectivamente), precisamos começar a imaginar o céu", argumentou.

Os Yes Men, retratados em um livro e um documentário em 2004, também já se fizeram passar por executivos da ExxonMobil e do Conselho Nacional do Petróleo para discursar numa conferência canadense sobre o petróleo. Em outra ocasião, se disfarçaram de agentes do órgão federal de habitação e prometeram, num evento diante do prefeito de Nova Orleans e do governador da Louisiana, liberar residências públicas abandonadas para milhares de habitantes pobres da cidade.

Mas, segundo o blog "City Room", ligado ao próprio jornal, eles não são os primeiros a falsificar o NYT, o caso mais famoso ocorreu durante uma greve de jornalistas em 1978, e envolveu nomes como o repórter investigativo Carl Bernstein, o escritor Christopher Cerf, o humorista Tony Hendra e o editor da Paris Review, George Plimpton. Há rumores de que o responsável seja um grupo de redatores de vários jornais tradicionais, inclusive o The New York Times.

A Guerra


Iniciada em 20 março de 2003, quando os EUA, com o apoio do Reino Unido, Espanha, Itália, Polônia e Austrália, invadiram o Iraque. A guerra teve como justificativa, a suposta existência de armas de destruição em massa em poder do então ditador iraquiano Saddam Hussein, que não foram encontradas.

Ainda sob o impacto dos ataques de 11 de setembro de 2001, quando a rede terrorista Al Qaeda, sob comando de Osama bin Laden, promoveu ataques simultâneos às torres gêmeas do World Trade Center (Nova York) e ao Pentágono (Washington), a população apoiou a iniciativa da chamada guerra preventiva, ou seja, atacar o Iraque antes de sofrer um ataque. Em abril de 2003, as forças da coalizão chegam a Bagdá e tomam o controle da capital, Saddam não é encontrado. Os rebeldes passaram a promover ataques contra soldados e civis, matando milhares de pessoas.




Os planos da Casa Branca de estabelecer uma guerra "rápida e cirúrgica", com poucas mortes de civis, são frustrados pelos sucessivos e sangrentos ataques suicidas de rebeldes. Em agosto de 2003, um caminhão-bomba explode sob a sede da ONU (Organização das Nações Unidas) em Bagdá. O atentado suicida deixa 22 mortos, inclusive o embaixador brasileiro Sergio Vieira de Mello, enviado da ONU ao Iraque.

Em fevereiro de 2006, outro atentado a bomba destrói uma mesquita xiita em Samarra, o ataque dá início a uma onda de violência sectária sem precedentes no país. Em novembro do mesmo ano, seis carros-bomba explodem em diferentes partes do bairro da Cidade Sadr, bastião xiita em Bagdá, causando as mortes de mais de 200 pessoas.

Hoje, descartando todos os interesses e desculpas político-econômicas para a perpetuação de cinco anos de guerra, a única certeza que temos é que as maiores vítimas foram inocentes civis. De todos envolvidos, a população iraquiana será sempre a grande perdedora de uma intervenção que, entre outros argumentos, invoca a “libertação” de um regime opressor e a criação de condições de exercício de direitos e garantias fundamentais, mas facilmente poderá resvalar para uma situação de pura “ocupação”, de conseqüências sociais e políticas imprevisíveis.

Desde o começo da guerra, 1,9 milhão de iraquianos se deslocaram internamente e outros 2,1 milhões deixaram o país, sem falar nas inúmeras vítimas, inclusivo diversas crianças, que foram mortas, mutiladas, ou que tiveram toda a família exterminada. Ao contrário do que o Pentágono havia prometido antes da guerra, diversos civis iraquianos morreram vítimas de bombardeios e ações exageradas das tropas da coalizão. A avançada tecnologia, com as bombas inteligentes, nem sempre acertou os alvos desejados, mas sim mercados públicos e residências.

Embora este monstruoso genocídio ainda esteja longe do fim, como afirma a pesquisadora em Relações Internacionais da Universidade de Brasília (UnB), Júlia Camargo, já se pode contabilizar, segundo um estudo, cujos resultados foram recentemente publicados pela revista médica britânica The Lancet, o número de vítimas até hoje, o balanço já é superior a 650000.
De tudo isso resta-nos apenas torcer para que a guerra no Iraque pare de assombra o dia-a-dia de milhões de pessoas que, em todo o mundo, sofrem e virão a sofrer, direta ou indiretamente, com um conflito de conseqüências que só o tempo permitirá avaliar. E continuar sonhando juntamente com Os Yes Men, para que um dia, não muito distante, o The New York Times estampe verdadeiramente, em sua primeira página a manchete: “Finalmente, termina a guerra do Iraque”.

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